Encontro de Magistrados do TRT-RO/AC discute os desafios da magistratura e os impactos das novas tecnologias
“O tempo é a minha matéria”. O trecho do famoso poema “Mãos Dadas”, de Carlos Drummond de Andrade, serviu de inspiração para o tema central do XXX Encontro Institucional de Magistrados da Justiça do Trabalho de Rondônia e Acre, realizado de 10 a 12 de novembro de 2021. Sob a coordenação da Escola Judicial (Ejud14) do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (TRT-RO/AC), a temática foi o gatilho para uma profunda reflexão da atividade judicante em tempos de grande transformação social e de inovação tecnológica.
O evento, que aconteceu 100% telepresencial e foi transmitido ao vivo no canal da Ejud no YouTube, reuniu diversas autoridades judiciárias, como a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Cristina Peduzzi, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins. Dentre os palestrantes, renomados juristas nacionais e internacionais também se fizeram presentes, a exemplo do ministro do STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, e do juiz Indrek Parrest (Estônia), professores Michael Gan (EUA), Katrin Nyman-Metcalf (Estônia), Richard Susskind (UK) e Benjamin Barton (EUA).
Frente a um cenário pandêmico e de situações de adversidades, as palestras abordaram temas como “Trial by Zoom: How the Covid-19 Pandemic Forced us to Consider Virtual Hearings (Julgamento pelo Zoom: como a pandemia da Covid-19 nos compeliu a adotar audiências virtuais), “Entre John Antioco e Reed Hastings: o dilema futurístico da magistratura e dos demais profissionais do direito”, “A Branquitude da Magistratura Brasileira: o que esperar do amanhã?”, “O emprego de algoritmos na tomada de decisões judiciais”, Justiça 4.0, entre outros.
A justiça do trabalho e o tempo
Esse novo tempo em que vive a Justiça do Trabalho e todos os cidadãos brasileiros que enfrentam os impactos da pandemia causada pelo novo coronavírus foi referência nos discursos realizados na abertura do Encontro. Inicialmente, a presidente do TRT-RO/AC, desembargadora Maria Cesarineide de Souza Lima, utilizou da metáfora para comparar o ciclo da existência humana e a vida de metamorfoses da borboleta.
“A observação desse evento da natureza e comparação com os ciclos da vida é pertinente, pois o momento atual requer mudança, reinvenção e transformação. É preciso mudar para evoluir. Lembrando que sem metamorfoses, não haverá borboletas. A lagarta, que teme a metamorfose, não experimentará o voo majestoso das borboletas. Da mesma forma que a flor que se eximir do desgaste, não alcançará a semente que a perpetua”, refletiu a desembargadora.
Cesarineide ressaltou ainda que, a despeito das dificuldades atuais, é necessário discutir os desafios do amanhã para a magistratura, principalmente na atuação junto aos que não possuem acesso fácil à justiça através dos recursos tecnológicos. “A região abrangida por nossa jurisdição - RO e AC - ainda tem um grande número de pessoas que acionam o Judiciário por meio do jus postulandi, que não tem acesso a computadores, internet ou smartphones, em completa exclusão digital. Trago esses dados para reforçar nosso compromisso em distribuir justiça, sem esquecer o lado humano que figura em cada processo. Essas foram as razões que nos levaram a eleger o tema deste encontro”, registrou.
O tema escolhido foi destacado também pela presidente do TST que em sua fala enalteceu a importância de se valorizar o tempo presente e o mesmo ideal de esperança para o futuro. “Principalmente, em um contexto complexo, que a pandemia da Covid-19 trouxe a todos nós e, em especial à Justiça do Trabalho, é fundamental nutrir esperança de que o cenário nacional e internacional venha, como está ocorrendo, progredir. Apesar da melancolia e da tristeza pelas vidas ceifadas, pelas limitações impostas à vivência presencial e todas as dificuldades enfrentadas, é fundamental buscar coragem e força para avançar na construção do presente e do futuro da Justiça do Trabalho”, afirmou.
“Como lição dos versos de Carlos Drummond de Andrade, podemos colher o valioso ensinamento sobre a relevância de se reconhecer a infungibilidade do tempo presente e a necessidade como seres humanos de unirmos propósitos, esforço e trabalho para a edificação da vida presente em sociedade e, em especial, da Justiça do Trabalho”, reforçou a ministra.
Antes de encerrar o seu discurso, Cristina Peduzzi acentuou os investimentos em tecnologia para garantir maior acesso à justiça pelo cidadão. “A Justiça do Trabalho ao longo de vários anos tem desenvolvido diversas ferramentas tecnológicas, softwares, programas computacionais e instrumentos virtuais para melhor atender ao cidadão e cumprir com economicidade, eficiência e responsabilidade as suas competências constitucionais. Nos últimos anos, esses investimentos têm aproximado a jurisdição trabalhista dos avanços da revolução tecnológica 4.0”, frisou.
Essa necessária atenção ao cidadão da mesma forma foi destaque nas palavras do presidente do STJ. “O tema proposto para esse evento não poderia ser mais oportuno e atual. A magistratura do amanhã, o tempo é a minha matéria. Ouso, no entanto, replicar afirmando que o tempo é matéria não só de magistrados, mas também de cidadãos. É minha, sua e de todos nós”, enfatizou.
Ao registrar a sua admiração pela Justiça do Trabalho, Humberto Martins citou o escritor brasileiro Raduan Nassar para reiterar que o tempo é o maior tesouro que um homem pode dispor. “Para que possamos, no entanto, compreender o tempo como nosso maior tesouro, impõe-se uma mudança de modelos a que estamos habituados para novas propostas e convivência social. É nesse contexto que o presente seminário ganha relevante papel de estímulo à discussão e ao intercâmbio de experiências, inclusive internacionais”, completou.
“O magistrado pode parecer mais distante aos olhos dos cidadãos, afinal a estrutura física do poder judiciário pode induzir ao pensamento de que os juízes são alheios ao cotidiano, ao dia a dia. Nada mais falso. Os magistrados também são cidadãos, são pessoas, são servidores do povo. A função judicante é essencialmente solitária. Impõe-se ao magistrado sempre se comportar com prudência, sabedoria, humildade e de maneira equitativa, cercando-se de cuidados para que não sejam prejudicados em direitos e interesses legítimos das partes e de seus procuradores. Digo prudência, no sentido de que adote comportamentos e tomem decisões de modo racional, ponderando e valorando adequadamente cada fase processual para que oportuna subjunção se faça dentro da legalidade. Cada processo repousa uma vida”, declarou o ministro.
No mesmo contexto, em uma reflexão sobre o tempo atual e futuro, o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 14ª Região (Amatra14), José Carlos Hadad, evidenciou que se vivencia no presente um redesenhar da magistratura. “Estamos todos arrebatados por um novo modelo de trabalho que exige de nós um novo conhecimento, necessário para um novo comportamento. Assim, como ousamos no passado ter um processo sem papel, agora ousamos ter uma audiência sem deslocamento. Mais do que isso, nós ousamos ser ainda mais produtivos, a partir de uma impensada realidade que nos colocou limitados pelas paredes de nossas casas, mas absolutamente ilimitados para exercer a nossa criatividade, buscando soluções que se revelaram tão viáveis, que em algum momento nós pensamos: por que não tínhamos pensado isso antes?”, salientou.
“Que o tempo encontre em nós a memória abraçando a esperança no coração de um juiz, de uma juíza que entende que tanto faz o processo ser virtual ou se a audiência é telepresencial porque o seu olhar está voltado para as pessoas e estas são sempre reais. Assim como suas angústias, os seus sonhos, que se apresentam diariamente para nós no cenário das demandas judiciais”, asseverou Hadad.
Programação
A palestra inaugural foi com o renomado palestrante, escritor e psicólogo clínico, Rossandro Klinjey, com o tema “O magistrado e seu autoencontro”. Fenômeno nas redes sociais, Klinjey é autor de vários livros, professor universitário e consultor da Rede Globo em temas relacionados ao comportamento, educação e família, no Programa Encontro da Fátima Bernardes, além de colunista da Rádio CBN.
Para fechar a primeira manhã do evento, aconteceu a primeira palestra internacional com o docente Judge Indrek Parrest, da Estônia, com a temática Online Courts and The Future of Justice in Estonia (Cortes Online e o Futuro da Justiça em Estônia). A abordagem deu conhecimento sobre os impactos das novas tecnologias em comparação com a realidade da atividade judicante de outros países.
A segunda parte do primeiro dia trouxe também a palestra internacional “Trial by Zoom: How the Covid-19 Pandemic Forced us to Consider Virtual Hearings (Julgamento pelo Zoom: como a pandemia da Covid-19 nos compeliu a adotar audiências virtuais), com o professor Michael Gan (EUA). Fechando o primeiro dia, aconteceu a Ciranda de Prosa: “Reinventar-se ou Sucumbir-se: eis a questão”.
Na quinta-feira (11), o desembargador Sérgio Torres, do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) deu sequência à programação com a palestra “Entre John Antioco e Reed Hastings: o dilema futurístico da magistratura e dos demais profissionais do direito”. Em seguida, a palestra “A Branquitude da Magistratura Brasileira: o que esperar do amanhã?” levou uma reflexão sobre racismo no Brasil e seus impactos estruturais, e o quanto isso impacta o poder judiciário.
A programação do dia seguiu com a palestra do juiz do Trabalho e professor Homero Batista sobre “O TST na Era Digital”, da participação da juíza Federal Isabela Ferrari com a palestra “O emprego de algoritmos na tomada de decisões judiciais”, e da palestra “STJ e a Justiça 4.0”, com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Para fechar a programação, o último dia contou com renomados palestrantes, a começar com a palestra “Exclusão digital na era do conhecimento”, com o professor Ricardo Antunes, um dos principais nomes da Sociologia do Trabalho no Brasil e no mundo. Em seguida, três palestras internacionais: “The rule of law and the protection of fundamental rights in the digital era (O Direito e a proteção aos direitos fundamentais na era digital), com a professora Katrin Nyman-Metcalf (Estônia); Online Courts and the Future of Justice (Cortes Digitais e o Futuro da Justiça), com o professor Richard Susskind (UK), referência internacional sobre o tema e autor dos livros mais vendidos no mundo; e Rebooting Justice, com o professor Benjamin Barton (EUA), cuja obra segue na listagem dos mais procurados pela era atual.
Secom/TRT14 (Luiz Alexandre | Imagens: Reprodução)
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